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sábado, 24 de março de 2007

Duas origens e dois caminhos para a filosofia














A palavra filosofia é formada por dois termos de origem grega: philia (amizade) e sophia (sabedoria). A philia é sempre transitiva, pede um complemento: alguém é amigo de um “outro”. Esse “outro” não necessariamente corresponde a essa atitude. Existe aí um incerteza e uma constante busca, uma tendência a procurar, a tentar se aproximar desse “outro”. A sabedoria é esse alvo que leva o filósofo a errar. A junção desses dois termos mostra bem qual deveria ser a atitude do filósofo: alguém que ama e está sempre procurando aprender.

Aristóteles colocava a origem da filosofia no espanto. Para ele “foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no principio como agora; perplexos, de início, ante as dificuldades mais obvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores, como os fenômenos da Lua, do Sol e das estrelas, assim como a gênese do universo. E o homem que é tomado de perplexidade e admiração julga-se ignorante (por isso o amigo dos mitos é, em certo sentido, um filósofo, pois também o mito é tecido de maravilhas ); portanto, como filosofavam para fugir da ignorância, é evidente que buscavam a ciência a fim de saber, e não com uma finalidade utilitária. E isto é confirmado pelos fatos, já que foi depois de atendidas quase todas as necessidades da vida e asseguradas as coisas que contribuem para o conforto e a recreação, que se começou a procurar esse conhecimento. Está claro, pois, que nós não o buscamos com a mira posta em qualquer vantagem; mas assim como declaramos livre o homem que existe para si mesmo e não para um outro, assim cultivamos essa ciência como a única livre, pois só ela tem em si mesma o seu próprio fim.”(Metafísica 982 b 10-30).

A filosofia que começa pelo espanto busca desvendar o mundo e seus mistérios aproximando-se da ciência. A filosofia teria uma função de fundamentar o saber já que seria ela a única que teria em si mesma seu fim. Ela seria uma atividade de gente ociosa, que já tendo assegurado todas as necessidades fundamentais teriam tempo para se dedicar as questões mais importantes: política, ética, metafísica, etc.

Nessa perspectiva o que se valoriza é o saber, a sophia e de certa forma, foi esse caminho o que desembocou no que hoje chamamos de ciência e na técnica que cerca nossa vida cotidiana. A filosofia esteve na origem de todo esse desenvolvimento, no entanto, hoje essa visão dela como fundamentadora do saber esta cada vez mais sendo descartada. A Razão com “r” maiúsculo está ultrapassada, a sabedoria como ideal eterno e imutável também.

Noutra perspectiva, bem mais recente, que advém de filósofos como Nietzsche, Heidegger e Rorty, o impulso inicial para o filosofar seria o temor da morte que levaria os homens a buscar essências universais, verdades imutáveis, virtudes perfeitas que pudessem lhes garantir redenção. Nietzsche é irônico “Para viver só é necessário ser um animal ou então um deus – afirma Aristóteles. Falta o terceiro caso: é necessário ser um e outro, é necessário ser filósofo...”. Os filósofos, querendo ter uma perspectiva universal e atemporal, negavam sua própria existência finita, sua corporeidade, subjetividade, historicidade...por amar demais o saber acabaram querendo encarná-lo abandonando o mundo. A filosofia com isso tornou-se uma espécie de patologia (como a que Freud identificou na religião) que deveria ser deixada pra trás ou reconfigurada. Rorty, por exemplo, substitui a busca por uma verdade redentora pela construção de uma cultura literária e democrática.

Entre Aristóteles e Nietzsche a questão de como articular vontade e liberdade gradativamente ganhou envergadura. Para Aristóteles o homem naturalmente desejaria aprender, hoje, pelo contrário, sabemos que essa não é uma tendência inata. A acomodação é bem mais comum! Se antes o foco principal da filosofia era a sophia, cada vez mais as questões passam a girar em torno da philia, ou seja, da amizade, do afeto, da vontade. O lugar do saber numa sociedade extremamente mutável e que se quer democrática não pode ser mais ocupado por algum tipo de autoridade, alguém que teria uma perspectiva privilegiada acima da história (como um “olho de deus” ). O imperativo de inovação constante, que faz tudo que é sólido desmanchar-se no ar, torna a própria idéia de aprendizagem algo também mutável, como exemplifica esse testemunho do filósofo Renato Janine Ribeiro: “Antigamente, falava-se em aprender certos conteúdos. Depois, na geração a que pertenço, insistiu-se que o fundamental não era aprender modelos ou regras, mas aprender a aprender. Agora, penso que é hora de modificar esse lema, sem, porém o rejeitar, e de apresentar a idéia de que também é preciso aprender a desaprender.” Como assim, aprender a desaprender? Cada vez mais é necessário que as pessoas, diante dos imprevistos possam se recriar, transformar suas certezas e seguir em frente. Isso é um imperativo tanto na vida pessoal quanto na profissional. A filosofia também precisa disso: se recriar inventando novos caminhos para sua busca.

A valorização extremada da racionalidade ou da emotividade nos levam para posições verticais (veja o texto que fiz tendo por tema a letra de Vertical dos Engenheiros do Hawaii): o racionalismo tenta se elevar por cima das emoções humanas; o romantismo tenta mergulhar nas profundezas dos sentimentos, tentando resgatar o que consideram a essência da humanidade. Ambos procuram por vias diferentes colocar-se numa posição diferente da maioria: deste modo, acreditam-se no direito de corrigir o olhar dos demais (veja o texto sobre a canção Luz, também dos Engenheiros ). Devemos buscar um caminho intermediário que permita o debate democrático (horizontal, entre iguais ): “Pra que tanta inteligência?? Por que tanta emoção?”. Vale lembrar Gramsci, que preso e seriamente debilitado fisicamente tentava manter sua lucidez para escrever e pensar em um mundo melhor, unindo o otimismo da vontade com o pessimismo da razão, ou procurando (como traduz Humberto Gessinger), “sentir com inteligência, pensar com emoção”. (veja o texto sobre a letra de Esportes Radicais ).



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